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Será que confiamos demais na Internet ?

Resumo: Em poucos anos a Internet passou de uma ferramenta de trabalho de académicos e militares para a fonte de emprego e ocupação de milhares de pessoas. Hoje há milhares de pessoas dependentes da Internet e entre estas há muitas que não reconhecem as fragilidades da rede.

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  Notícias que vêm "à rede":

"ISP* bloqueado por mais de 48 horas. Milhares de caixas de correio corrompidas, calcula-se que centenas de milhar de mensagens se tenham perdido. Um rigoroso inquérito foi instaurado para apurar as causas da avaria generalizada."

"Vírus ABC invade milhões de caixas de correio. Um vírus que se propaga por correio electrónico foi recentemente detectado e só ao fim de 72 horas os fabricantes de anti-vírus disponibilizaram uma versão dos seus programas que detecta e elimina o ABC. Numa medida de último recurso, as maiores empresas norte-americanas, bem como muitas europeias, desligaram os seus servidores de correio electrónico durante este período para tentar conter a propagação do vírus. Apela-se a todos os utilizadores que actualizem os seus anti-vírus. Estima-se que o prejuízo à escala global atinja as ... centenas de milhões de dólares."

"Congestionamento no acesso aos servidores XYZ no lançamento do concurso televisivo associado. Há quatro dias que os servidores do concurso estão inacessíveis e os ISPs lutam por manter o acesso aos outros servidores da mesma empresa."

"As potencialidades da nova economia no país P são restringidas pela escassez de largura de banda. A limitação nos investimentos públicos e o clima de incerteza associado às actividades comerciais baseadas na Internet estão na origem dos atrasos no aumento da largura de banda disponível para os clientes finais, indispensável aos serviços avançados como os conteúdos multimédia, as video-conferências e teletrabalho, entre outros."

* ISP: Internet Service Provider. Empresa que oferece ligações à Internet a empresas e pessoas, normalmente por telefone ou por cabo.

  Penso que a maioria dos cidadãos atentos à comunicação social se recordarão de notícias como estas e de outras igualmente relacionadas com problemas da Internet. Nestes textos retirei os nomes reais porque não me recordo dos números exactos e porque a minha intenção é ilustrar problemas genéricos e não apontar casos particulares.

  Além destes problemas em grande escala e que têm relevo suficiente para chamarem a atenção dos jornalistas, todos os dias há numerosas pequenas crises nas empresas, universidades e utilizadores particulares. As quebras de produtividade e a insatisfação associada a estas falhas deveriam ser suficientes para desencadear uma reacção de reclamação, seguida de melhorias céleres nos equipamentos, software e processos de transmissão de informação.

  Contudo, não é isto que se assiste na generalidade dos casos. Os utilizadores frustrados encolhem os ombros e dizem que "a culpa é dos computadores", que o "sistema informático está em baixo", como se tratasse de um desastre natural, uma inevitabilidade a que assistimos passivos e impotentes.

  Há várias características da Internet que aumentam a probabilidade de interrupções, nomeadamente:

  • o sistema de comunicação por pacotes contra os circuitos dedicados (datagram versus circuitos virtuais),
  • a competição por um recurso escasso sem definição de prioridades (associadas ao custo),
  • a inexistência de identificação dos utilizadores,
  • a inexistência de cobrança pela informação transmitida,

 ... mas sobretudo a carga e a natureza da actividade suportada pela Internet, muito diversa daquela para a qual ela foi planeada. A necessidade de uma Internet 2 que tome em conta estas preocupações já foi sentida e está em planeamento por um conjunto de entidades públicas.

  Entretanto, o que pode fazer o utilizador individual ou a pequena empresa ? Em primeiro lugar, manter presente as limitações da Internet e as falhas de que tomou conhecimento. Depois, há um conjunto de medidas simples que o leitor pode implementar e que, se não resolvem os problemas, minimizam as surpresas desagradáveis:

1. Parta do princípio que todas as mensagens de correio electrónico se podem perder
Se a mensagem tratar de um assunto importante peça confirmação da chegada. Se esta não surgir no prazo de algumas horas, reenvie a mensagem. Se a probabilidade de uma mensagem perdida fôr 1 em 10 mil, a probabilidade de as duas mensagens se perderem é 1 em 100 milhões. Se fôr mesmo muito importante, telefone a confirmar. Os erros com mensagens perdidas são particularmente frequentes com mensagens muito grandes que têm documentos associados.
Se mantiver uma correspondência regular com um só destinatário, numere as mensagens e peça-lhe para fazer o mesmo. Assim, se ocorrer uma falha na numeração, os dois correspondentes podem perguntar-se se faltou alguma mensagem.
Se puder escolher o seu programa de tratamento de correio, escolha um que associe à mensagem uma notificação da chegada. Note que é preciso que o programa do seu correspondente aceite enviar esta notificação.
 
2. Distribua a gestão do correio electrónico ao longo do dia
Assim evita as congestões de tráfego, ao início da manhã e ao fim da tarde, mais propícias a falhas de rede.
 
3. Evite a multiplicação de mensagens entre caixas de correio espelhadas (mirrored)
Como o correio electrónico é barato, muitos utilizadores reenviam todas as suas mensagens para outras contas, para terem acesso no local de trabalho ao correio pessoal, ou ao correio profissional quando estão em casa, ou quando estão no estrangeiro, etc.. Este procedimento leva à multiplicação por dois, três, quatro, ... de toda a carga de correio electrónico associada a um só utilizador.
 
4. Afaste-se das chain letters e de tudo o que seja reenviado para múltiplos utilizadores
Além do spam propriamente dito(1) (correio não pessoal, normalmente publicitário ou comercial) há na rede uma enorme quantidade de spam informal, por vezes com as melhores intenções do mundo: procura-se um dador de medula óssea, pede-se donativos para um povo sofredor, incita-se o envio de cartas de indignação aos poderosos, há inúmeros pretextos para multiplicar a quantidade de correio. Antes de dar seguimento a uma carta dessas pense se o faria por correio em papel, isto é, se a causa da carta justificaria o gasto de N cartas a custo X. Se não estiver disposto a enviar essa carta por papel, então também não deve enviá-la electronicamente.
Além do mais, as chain letters são frquentemente usadas para criar listas de utilizadores susceptíveis de serem alvos de vírus ou explorações comerciais.
Há também novas formas de vírus sociais que se propagam por difusão de alertas em cadeia sobre vírus imaginários ou qualquer outro tema apelativo, conduzindo ao congestionamento dos nós da rede nas áreas mais alarmistas e perturbando a actividade normal nas zonas limítrofes.
 
5. Proteja-se dos ficheiros associados (attachments) ao correio electrónico
Desligue a abertura automática de ficheiros no seu programa de correio electrónico, não abra os ficheiros desconhecidos ou associados a um texto fora do comum, ou de qualquer forma inesperados. Mantenha um anti-vírus sempre activo e actualizado, tendo o cuidado de escolher um que faça a leitura do correio electrónico (hoje, quase todos os programas para ambiente MS Windows e Apple o fazem).
 
6. Garanta canais alternativos de acesso à Internet
Se o seu trabalho depender seriamente da Internet, é prudente ter acesso à rede por mais de um fornecedor para ultrapassar os períodos de falha ou congestionamento de um dos seus fornecedores. A redundância é a melhor forma de manter um acesso à Internet, mesmo com uma redução da qualidade de serviço, em caso de falha total ou parcial de um ISP.
 
7. Tenha atenção aos prazos
Se faz compras on-line, mantenha uma reserva mental em relação aos prazos de entrega "garantidos" pelos fornecedores, sobretudo em épocas festivas (Natal, férias de Verão, Acção de Graças nos países anglo-saxónicos, ...). De igual modo, se paga os seus impostos ou trata das suas finanças on-line, pense sempre que no momento em que quiser tratar desses assuntos, a sua rede estárá em baixo ou a entidade que oferece o serviço estará sobre-carregada.
 
8. Analise as suas necessidades de rede e sobredimensione
Ao fazer o dimensionamento das suas necessidades de rede - sobretudo em ambientes empresariais - pense que as necessidades são crescentes, isto é deve dimensionar hoje para as necessidades previstas a doze ou a dezoito meses. Naturalmente, prefira soluções escaláveis, para poder crescer após o horizonte considerado.
Inclua no dimensionamento alguma largura de banda para o tráfego particular dos colaboradores da sua empresa. É impossível impedi-los totalmente de utilizar à Internet para fins privados - e talvez seja contraproducente -, por isso é necessário contar com essas necessidades. Inclua no dimensionamento um número suficiente de postos de trabalho extra. Inclua também algum material de rede extra que lhe permita substituir rapidamente um componente avariado, sem ter de aguardar pela assistência técnica.
Todos os engenheiros aprendem a sobredimensionar os projectos para criar redundância e acomodar variações aos modelos previstos a priori. Contudo, as necessidades de rede das empresas estão tantas vezes tão subdimensionadas que parece que alguém fez mal o seu trabalho. Em nome da economia e da racionalização de custos reduz-se a rede ao indispensável para depois se pagarem montantes avultados na resolução de emergências, quando não se pode comparar preços, tal é a urgência de repôr a rede a funcionar.
 
9. Proteja os seus servidores ligados à Internet
Se tiver servidores ligados à Internet proteja-os contra intrusos e acidentes. O uso de uma firewall(2) é indispensável. Como a maioria dos servidores já estão por trás de firewalls, um servidor desprotegido é muito mais atraente para os utilizadores mal intencionados.
Para se proteger das falhas de energia instale uma UPS (Uninterruptible Power Source). Pense também em criar um "mirror" dos discos do seu servidor. Assim, se um avariar, logo outro assegura o serviço.
Para os utilizadores individuais e pequenas organizações um servidor e uma firewall e uma UPS podem ser suficientes, mas as organizações maiores precisam de máquinas dedicadas à protecção das intranets e dos acessos à Internet, bem como de redundância de servidores.
 
10. Prepare-se para pagar pela qualidade e segurança
Até agora, a maioria dos serviços e conteúdos de Internet são gratuitos, o que facilitou a sua expansão rápida e simultaneamente propiciou múltiplas utilizações abusivas. Atendendo ao hábito já enraízado e aos baixos custos específicos da Internet é provável que muitos conteúdos e serviços permaneçam gratuitos por longos anos, mas quem procurar qualidade e segurança deve disponibilizar-se a pagá-la. Creio que é impossível criar uma "sociedade da informação" onde o bem principal - a informação - seja gratuito. Se o tráfego, os serviços e conteúdos forem pagos, mesmo que a preço reduzido, os fornecedores terão possibilidade de investir nas suas máquinas e serviços para melhorar a qualidade e os clientes poderão reclamar e mudar de fornecedor se não estiverem satisfeitos.
A partir do momento em que um serviço tem um custo económico claro, os utilizadores podem avaliar se o valor do serviço compensa e se não há outros serviços análogos com melhor relação custo/valor.
 

  As sugestões nº 3 e nº 4 só surtirão efeito se forem adoptadas pela maioria dos utilizadores à volta do leitor. As outras podem ser adoptadas individualmente, oferecendo benefícios imediatos.

  O problema dos custos da Internet, referido na sugestão nº 10, é paradoxal: é possível oferecer conteúdos e serviços pagos com custos específicos tão baixos, que se torna pouco rentável fazer a cobrança, sobretudo em serviços de uso ocasional.

  Além dos problemas de dependência da Internet há também os problema da confiança, relativo a números de cartões de crédito, autenticidade dos autores, criptação das mensagens, já brevemente abordados na nota anterior.

Notas

(1) Em 1994, salvo erro, uma empresa de advocacia norte-americana enviou um mail não solicitado a centenas de investigadores estrangeiros nos EUA oferecendo os seus serviços de assistência jurídica para a naturalização e obtenção de licenças de trabalho. A acção foi considerada tão ofensiva da netiquette (a etiqueta da Net) que os autores do mail foram "bombardeados" por milhares de respostas iradas e tiveram de cancelar o endereço electrónico. Em 2001 (apenas sete anos depois!) tal reacção seria considerada ridícula e irrelevante.

(2) Uma firewall é um dispositivo de software, por vezes associado a hardware, que separa o tráfego da Internet (exterior) e da intranet (rede interna). Os benefícios são a filtragem do tráfego por endereço, o barramento de acessos maliciosos e a monitorização do tráfego. Além disso, protege os dados internos de uma empresa dos curiosos no exterior. Os principais inconvenientes são o bloqueio de alguns protocolos antigos menos seguros (por exemplo, ftp, telnet, rlogin) e alguns sistemas de mensagens rápidas (ICQ, Yahoo! Messager, ...).

 

Julho 2001

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Escrito em Julho 2001, última alteração em Outubro 2002 inicio da página