| |
LEGO: uma ligação para a vidaA minha experiência
com LEGO e discussão das vantagens e desvantagens do LEGO como plataforma
didáctica.
Diz a "lenda" LEGO que só
anos depois de lançar os produtos LEGO, os responsáveis da empresa
se aperceberam que lego era o radical latino de ligar. Foi um acaso feliz
do cruzamento do dinamarquês com o latim: não só as peças
se ligam entre si, como o LEGO se liga à vida de quem contacta com o seu
mundo fascinante. A minha história com LEGOA minha aventura
com LEGO técnico começou (em 1978, creio eu) quando um casal belga,
amigo dos meus pais, me trouxe um caixa com um maravilhoso tractor vermelho com
transmissões, arados e enormes manuais de instruções. A
relação continuou ao longo dos anos, com intensidade variável
até que no quarto ano da faculdade no Instituto
Superior Técnico comecei a trabalhar em Robótica, usando prototipos
de LEGO técnico. No ano seguinte, parti para a Université
Catholique de Louvain (Bélgica) para terminar o curso no âmbito
do programa Erasmus
com um trabalho na área de cinemática de robots. Não hesitei
um momento quanto à fonte do meu material de laboratório: percorri
as feiras da ladra (brocante) da região e comprei tantas caixas
de LEGO técnico quantas as necessárias para ter rodas, eixos e transmissões
para o trabalho. Mais tarde, de regresso a Lisboa, comprei um robot Cybermaster
com ligação de rádio, o LEGO robótico que antecedeu
o MindStorms; comprei ainda alguns motores para fazer ensaios de cinemática
e controlo. Espero agora que os meus filhos cresçam para que possam tirar
partido destes tesouros. Além da vertente lúdica,
o LEGO oferece uma plataforma didáctica muito interessante, quer na aprendizagem
individual quer na aprendizagem colectiva na escola. Existem alguns riscos que
podem ser minimizados por pais e educadores atentos - e com experiência
de LEGO ;-) As vantagens do LEGO como plataforma didáctica
- Pedagogos e ludo-técnicos
- A empresa LEGO oferece um quadro
de pedagogos e especialistas de jogos como nenhum outro fabricante de brinquedos
que eu conheça. As cores, as formas, a sequência de operações
dos manuais, tudo está cuidadosamente estudado para potenciar a habilidade
dos utilizadores e a vontade de criação de novos modelos.
Se
hoje estão na moda as preocupações transculturais, foi nos
LEGOs que eu primeiro vi os bonecos ("minifigs") de cores de "pele"
diferentes do padrão amarelo. A adaptação a universos mais
cinematográficos e/ou agressivos tem sido feita de forma bastante cuidadosa
e com bons resultados. - Variedade de propostas para todas as idades
- A
gama LEGO tem uma enorme variedade de propostas para todas as idades, sendo o
LEGO técnico dedicado a fins de aprendizagem de engenharia e ciências.
A iniciação ao LEGO "técnico" pode ser feita a
partir dos quatro ou cinco anos, onde surgem os primeiros modelos com sensores
e actuadores rudimentares.
A partir dos 8 a 10 anos surgem os modelos mais
simples que já usam as peças Technic normais. Daí em diante
é um crescendo de variedade e complexidade. A partir dos 12 anos, aproximadamente,
as crianças já tiram partido da interacção entre o
brinquedo e o computador. As crianças de mais de vinte, quarenta, sessenta
ou mais anos não estão esquecidas, mas terão de aprender
a partilhar os LEGOs com filhos e netos... - Estímulo da aprendizagem
e criatividade
- Creio que é redundante elaborar sobre o tema: quem
assista pela primeira vez a uma criança de 1 ou 2 anos a brincar com LEGO
conclui imediatamente dois factos:
1) é irrelevante o que a caixa diz
para fazer, quem brinca é que sabe! 2) se nas primeiras horas a destreza
das mãos ultrapassa a da mente, rapidamente as mãos se tornam incapazes
de acompanhar o ritmo do pensamento Por experiência, posso acrescentar
mais conclusões: 3) Duas crianças com as mesmas peças
de LEGO não farão as mesmas construções 4) Faltarão
sempre peças para o modelo que têm na cabeça 5) Arrumar
o LEGO é enfadonho e repetitivo; logo, é trabalho dos pais :-) - Qualidade
do plástico
- O plástico é exemplar na sua rigidez,
permanência da cor, facilidade de montagem e desmontagem, arestas cuidadas,
etc.. A sua robustez é lendária: uma pessoa de 100kg pode
pisar um bloco (peça) de 4u x 2u sem que esta se parta ou mostre a menor
beliscadura: o chão por baixo é que pode ficar marcado.
- Durabilidade
- O
LEGO é um brinquedo de longa duração, não só
pela resistência à usura mecânica, mas também porque
mantém uma larga compatibilidade ao longo dos anos. Eu consigo integrar
peças da década de 1970 com peças de 2004.
As peças
melhores para este fim são as mais clássicas, barras, blocos e placas,
pois muitas das peças desenhadas para modelos específicos são
menos adaptáveis a construções em contextos diferentes. Mas
aí entra em jogo a imaginação! Como as construções
são fruto da imaginação das crianças e as peças
básicas são muito flexíveis, o LEGO mantém-se um brinquedo
sempre actual. - Comunidades de aprendizagem
- A Internet oferece
hoje vastas possibilidades de aprendizagem partilhada, troca e discussão
de modelos. Além dos modelos propostos nas caixas e das propostas disponíveis
nos sítios da LEGO, há imensas comunidades de amantes de LEGO, e
sobretudo LEGO técnico, onde se pode encontrar ideias, software
de projecto e ilustração de instruções, emuladores,
simuladores, grupos de discussão, concursos, etc..
Até
já há professores universitários a escrever livros que combinam
LEGO e equações diferenciais! - Coerência
- Uma
das maiores dificuldades da LEGO é manter um universo de brinquedos coeso,
que satisfaça simultaneamente os professores universitários de engenharia,
os seus filhos engenhocas e os entusiastas de dinossauros, comboios e bonecas.
Apesar
das críticas de alguns puristas, creio que a LEGO tem conseguido bons resultados,
permitindo que as crianças procurem brinquedos diferentes à medida
que crescem, mas mantenham o mesmo interface e a mesma "grámatica"
de manipulação dos elementos LEGO.
As desvantagens
ou riscos do LEGO como plataforma didáctica - Solidão
- Construir
LEGO é normalmente uma tarefa solitária.
Em muitos casos, porque
as famílias só têm um filho ou a diferença de idades
conduz a uma separação de actividades (pode até suceder que
duas crianças brinquem separadas com LEGOs diferentes). Noutros casos
porque o transporte de conjuntos de LEGO para junto de um grupo de amigos é
melindroso: perde-se as peças, troca-se com as dos amigos, etc..
Nas crianças mais novas, há a dificuldade adicional de verbalizarem
o modelo que têm na cabeça, exasperando os circunstantes que não
percebem o turbilhão criativo que assola uma cabeça silenciosa.
- Preço
- O LEGO é um brinquedo caro. Eu próprio
modero as compras em função do rendimento disponível. Se
o LEGO custasse metade do preço, teria muito mais LEGO em casa.
Ao
longo dos anos recebi várias mensagens de adolescentes, pais e professores
que queriam começar a fazer robots e que sentem que o LEGO é caro
demais. Este sentimento é mais forte nas mensagens vindas de África
e do Brasil, onde até as escolas têm dificuldades para incluir LEGO
nos seus orçamentos. A durabilidade contribui para atenuar o efeito
do preço do LEGO. Eu esperaria encontrar muito mais LEGO usado à
venda. Na Bélgica havia imenso, em Portugal é uma raridade. Um mercado
de usados contribuiria para dinamizar o uso de LEGO. Ou talvez suceda que
os entusiastas guardem escrupulosamente os seus LEGOs para os passarem à
geração seguinte. - Legeometria
- A Legeometria (um
neologismo para "geometria do LEGO" cunhado por Erik Brok) tem peculiaridades
que acentuam a curva de aprendizagem, sobretudo para aqueles que, não estando
familiarizados com o LEGO, pretendem reproduzir outros modelos à escala.
Em
"Lego on my Mind",
o sítio sobre LEGO do professor holandês Erik Brok, há um
artigo esclarecedor sobre este tema (na página de entrada siga Thoughts
> Geometry). - Reconhecimento das comunidades informais
- Nos grupos
discussão de LEGO era frequente encontrar queixas sobre a pressão
que o LEGO Group faz sobre as comunidades de utilizadores, levantando problemas
de copyright e reverse engineering. Penso que é má
política porque os animadores destas comunidades são os melhores
arautos dos produtos LEGO. Tenho a impressão que, por este motivo ou por
outros, a pressão se tem atenuado nos últimos anos.
|