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João de Deus nasceu em São Bartolomeu de Messines
no Algarve, Portugal, em 8 de Março de 1830 e morreu em Lisboa
em 11 de Janeiro de 1896.
Estudou Direito na Universidade de Coimbra entre 1849 e 1859. Neste
período conviveu com notáveis homens de letras, entre
os quais se destacam Teófilo Braga e Antero de Quental. Aí
desenvolve a sua veia poética, dedicada sobretudo à
Mulher, a Deus e à Natureza mas que inclui também
registos satíricos, típicos da vida académica
coimbrã. Pintor, tocador de viola e cantador de modas populares,
amante da vida boémia, vagueou por Coimbra em busca da sua
vocação.
Depois de uma actividade profissional sem relevo como advogado
e jornalista foi eleito deputado pelo círculo algarvio de
Silves em 1869, mantendo uma actividade dispersa e irregular como
poeta de vários estilos, do lírico ao epigrama.
À época discutia-se ardentemente nas Cortes portuguesas
se o Livro de Leitura deveria ser o poema épico "Os
Lusíadas" de Luís de Camões (c. 1524-1580)
ou o poema romântico "Dom Jaime" de Tomás
Ribeiro (1831-1901), publicado em 1862. A ineficácia das
duas soluções era comprovada pelo estado miserável
da instrução elementar em Portugal, reservada aos
filhos dos ricos e, com sorte, aos soldados e marinheiros que aprendiam
a ler uns com os outros.
Entre os amantes das letras, houve quem procurasse alternativas
melhores: o médico e escritor portuense Júlio Dinis
(1839-1871), que partilhava as preocupações e interesses
de João de Deus, pôs a heroína do seu livro
"A Morgadinha dos Canaviais" (1867) a ensinar as crianças
pobres a ler usando o Evangelho de São Lucas.
Numa abordagem pedagógica ao problema, um grupo de amigos
de João de Deus e uma editora do Porto - que viria a falir
- propôs-lhe escrever um método de leitura dedicado
às crianças. Em 1876 foi publicada a Cartilha Maternal.
Sobre os métodos da instrução escreve-se no
prefácio da terceira edição de 1878:
Porque razão observamos nós, a cada passo, n'os
filhos da indigencia, meramente abandonados á escola da
vida, uma irradiação moral, uma viveza rara n'os
martyres do ensino primario ?
Ás mães que do coração professam a
religião da adoravel innocencia, e até por instincto
sabem que em cerebros tão tenros e mimosos todo o cansaço
e violencia póde deixar vestigios indeléveis, offerecemos,
neste systema profundamente prático, o meio de evitar a
seus filhos o flagello da cartilha tradicional.
O sucesso da Cartilha Maternal foi tão grande e tão
rápido - mau grado algumas críticas de falta de fundamento
científico - que em 1888 as Cortes a adoptaram como método
oficial de leitura e João de Deus foi nomeado Comissário
Geral do Ensino da Leitura. Os amigos de João de Deus, com
destaque para Casimiro Freire, lançaram em 1882 a "Associação
das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus".
Em 1895, é organizada uma grande homenagem ao poeta à
qual se associou o Rei D. Carlos, contrariamente à tradição
portuguesa que só reconhece os seus grandes depois de mortos.
Foi-lhe proposto um título nobiliárquico, que recusou.
A Academia Real das Ciências proclamou-o Sócio de Honra.
Em resposta à homenagem de estudantes de todo o país
que se dirigiram a sua casa em grande cortejo, João de Deus
assoma à varanda e declama de improviso:
Estas honras e este culto
Bem se podiam prestar
A homens de grande vulto.
Mas a mim, poeta inculto,
Espontâneo, popular...
É deveras singular!
João de Deus morreu em 1896, tendo sido sepultado no Mosteiro
dos Jerónimos, honra reservada a um punhado dos mais notáveis
portugueses.
Meses depois, quando o seu filho João de Deus Ramos ingressa
na Universidade de Coimbra, ao contrário dos hábitos
de menoridade impostos aos caloiros, é-lhe reservada uma
recepção apoteótica com capas pelo chão,
tão-só por ser filho do poeta e pedagogo João
de Deus.
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